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sábado, 28 de janeiro de 2012

Inferno no paraíso


Ilhabela. Esse é o nome da cidade dos sonhos, das melhores paisagens e das fotos perfeitas. É incrível, mas nada disso tem importância pra mim. Tenho sete anos e meu nome é Sofia. Nasci aqui e daqui nunca mais saí. Vendo TV fico sonhando com São Paulo e com a cidade do Cristo Redentor.  
            Não posso dizer que sou infeliz. É claro que não. Até porque, não conheço outra vida a não ser essa, afinal não se pode escolher o que nunca se conheceu. Tenho uma mãe que me ama e que trabalha muito para tentar me dar o que ela pode. Tenho um sonho e uma vida pela frente.
            Mas, não posso evitar, passo vontades. Queria uma boneca. Mas não dessas de panos que vovó faz pra mim - não que eu não goste delas -  mas queria uma daquelas que passam na TV. Aquela do cabelo loiro e roupas cor-de-rosa. Um chocolate de vez em quando ou um danone de morango. Vida difícil essa nossa. Natal passado mamãe e vovó compraram algumas coisinhas diferentes, com o dinheiro guardado do trabalho suado. Bebi refrigerante por alguns dias, e quando acabou ficava cheirando a tampinha por outros dias. Matava minha vontade de certa forma.
           Moro em um pequeno bairro, com casas de madeira e vista pro mar. Isso não me impressiona. É uma visão normal, a minha de todas as manhãs. Das muitas manhãs que acordo e não como nada antes de ir pra escola. E quando volto também não como. Como na escola, lá nos dão comida. Muitos não gostam, mas pra mim está ótimo, além disso, como mais de uma vez – não sei a que horas irei comer novamente. Não temos muita comida em casa. Mamãe trabalha em uma feirinha que se vende artesanatos com o nome da cidade dizendo aos turistas “Bem vindo a Ilhabela”, ou aquelas do tipo “Passei por Ilhabela e me lembrei de você”.
Meu pai, eu nunca conheci. E mamãe também não fala muito dele, o pouco que fala é mal, coisas do tipo “Ele me largou quando ainda te carregava na barriga”, ou até coisas piores, na verdade, acho que ela me poupa dos detalhes.
Sem irmãos, tenho só dois amigos. Clara e Pedro. Não posso dizer que são melhores que irmãos, pois nunca tive irmãos, mas se eu os tivesse seriam melhores mesmo assim, tenho certeza. Eles moram perto de minha casa e os conheço desde os quatro anos.    
Quero ajudar mamãe com trabalho, mas ela não deixa. Diz que sou pequena e que preciso estudar, ter um futuro e não ser como ela. Quando tiver idade quero dar uma vida melhor a ela. E pra vovó também, se ela ainda estiver aqui.
          Um dia desses ganhei umas moedas de um turista que passava perto do calçadão. Não pedi, não faço isso. Ele simplesmente me deu, e disse pra eu comprar um doce. Nesse dia eu estava com Clara e Pedro. Mas o dinheiro não deu pra comprarmos algo que nós três pudéssemos dividir. Comprei um salgadinho. Pedro e Clara começaram a brigar por causa do pacote, e tentei separá-los. Não sei o que deu neles, nunca foram disso.
       O mesmo turista gritou. Olhamos pra trás e ele nos chamava. Ele estava com uma maquina fotográfica na mão. Disse que havia ficado triste por termos brigado pelo pacote de salgadinho, e fomos então para uma vendinha ali perto. Fiquei com receio, mamãe sempre dizia para não conversar com estranhos. Fui mesmo assim.                  Lá ele comprou um salgado, um doce e um suco para cada um de nós. Enquanto comia ele me mostrou sua bonita câmera fotográfica, e a foto que havia tirado de nós três. E claro, dos cachorros ao fundo mexendo no lixo - normal, eles também não tinham o que comer. Mostrou-me também as belas fotos que havia tirado da minha cidade, e fiquei encantada do modo como ele falava do mar e do sol fazendo reflexo na água. Nunca havia percebido esses pequenos detalhes que vejo todo dia e não me importo.
         Ele tinha algo diferente nos olhos, parecia ser um homem muito bom, ou pelo menos alguém que passou por uma mudança radical, na vida e espiritualmente. Quando pensava sobre coisas desse tipo, ouvi a voz de mamãe a me chamar.
       Ela me abraçou e se espantou por ver um homem conversando comigo. Espantou-se mais ainda quando olhou pra ele, sua bolsa caiu no chão. O turista então chama o nome de mamãe. Como é possível eles se conhecerem? Será que ele havia comprado uma lembrança na barraca de mamãe, para levar para sua família? Mamãe olhou pra ele, disse seu nome, uma lágrima também escorreu em seu rosto. Neste momento ela pegou na minha mão, e saiu dali o mais rápido que pode. Correndo.
     Ao chegarmos em casa, perguntei quem era o moço e por que ela havia corrido, fugindo dele. Ela não respondeu, não respondeu em nenhuma das várias vezes que perguntei a ela. Só chorava. Depois de vinte minutos que havíamos chegado em casa, alguém a chama lá fora. Ela não sai. A pessoa insiste, e então ela sai. Ela não deixa que eu vá com ela, mas depois de algum tempo ela me chama. Era o turista. O que ele fazia ali de novo? Foi quando eles me disseram que precisavam me contar. Ele era meu pai.  
Fiquei confusa por não entender que de uma hora pra outra, eu tinha um pai. Ainda mais um pai com camisa florida de turista. Chorando, os dois, eles me contaram a história. 
            Ela me abraçou e se espantou por ver um homem conversando comigo. Espantou-se mais ainda quando olhou pra ele, sua bolsa caiu no chão. O turista então chama o nome de mamãe. Como é possível eles se conhecerem? Será que ele havia comprado uma lembrança na barraca de mamãe, para levar para sua família? Mamãe olhou pra ele, disse seu nome, uma lágrima também escorreu em seu rosto. Neste momento ela pegou na minha mão, e saiu dali o mais rápido que pode. Correndo.Fiquei confusa por não entender que de uma hora pra outra, eu tinha um pai. Ainda mais um pai com camisa florida de turista. Chorando, os dois, eles me contaram a história.
            Papai fora a Ilhabela, em uma viagem, quando ainda era muito jovem. Se apaixonou por mamãe no instante em que a viu na praia. Ficaram juntos por algum tempo, e quando mamãe disse que estava grávida ele simplesmente saiu de casa e nunca mais voltou. Agora ele volta arrependido? Dando-me moedas no calçadão e encontrando o velho amor de sua vida em vendinha?
            A verdade é que ele estava mesmo arrependido. Disse que quando conheceu mamãe era muito jovem e não sabia nada sobre a vida. Também não tinha dinheiro para dar uma vida digna para mim e para mamãe. Tudo isso o fez fugir. Com o tempo ele foi aprendendo com a vida, estudou. Teve idéias geniais que o fizeram ganhar uma vaga num trabalho muito importante. Então, ele ganhou muito dinheiro.
            Disse que não deixou de pensar em nós durante todo esse tempo, mas não tinha coragem de voltar. Mas, ele havia mudado. Foi então que entendi o brilho em seus olhos, ele realmente havia passado por uma mudança radical em sua vida. Disse que um dia tomou coragem e voltou a Ilhabela. Não sabia que era eu ali, no calçadão.
            Dias se passaram e mamãe demorou a ter uma resposta sobre a proposta que meu pai havia feito. Afinal, a mágoa era grande em seu coração. Até que ela decidiu o perdoar, assim como eu. Decidiu também ir para o Rio de Janeiro com meu pai, ter uma vida melhor.
            Finalmente eu conheceria o Cristo Redentor que tanto sonhava em ver. Finalmente teria um pai, uma família. E é claro, vovó foi conosco. Finalmente, não passaria mais fome, nem vontades. E finalmente teria minha boneca loira, um sonho mais próximo da realidade. Nunca me esquecerei de que as pessoas podem mudar, seja pro bem ou não. Não me esquecerei de onde vim, do que vivi e das lições que aprendi. Nem do mar e do reflexo do sol nas águas de Ilhabela.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012


 
" Amar não significa que você tem que sacrificar partes de você. " 
- Matemática do Amor